Diários de Motocicleta, uma aula de história pela América Latina.

Diários de Motocicleta é um filme de Walter Salles, lançado em 2004. Narra a emocionante viagem do jovem Ernesto Guevara de La Serna, acompanhado de seu amigo Alberto Granado, em uma incursão pela América Latina. O filme se passa anos antes de Ernesto se tornar Che, o revolucionário idealista e mais proeminente líder da Revolução Cubana.

Certamente, quando embarcou com Granado na aventura de percorrer o continente em uma motocicleta, nem o próprio Ernesto, então com vinte e três anos, sonhava em se tornar, anos mais tarde, um ícone mundial das causas sociais. Mas foi durante o ‘passeio’, e o filme retrata bem as reflexões de Che, que ele despertou para a causa a qual dedicaria a vida e pela qual ofereceu a própria morte.

O enredo de Diários de de Motocicleta

Diários de motocicleta é ambientado no ano de 1952, quando Ernesto e Granado percorreram mais de 15000 Km pela América Sul, munidos de uma motocicleta velha, verdadeira peça de estimação de Alberto Granado, batizada de “A Poderosa”. O nome dado a motocicleta, no entanto, não é exatamente condizente com o que ela pode oferecer, pois, aos trancos, não consegue chegar à metade do percurso planejado, deixando os dois viajantes na ‘mão’ bem antes do destino final.

O enredo do filme intercala o drama dos viajantes e cenas regadas por um delicado toque de bom humor, que envolvem, principalmente, as peripécias dos dois para superar os obstáculos que interpõem-se aos seus caminhos. Mas não reduz-se a isso, retrata um Che compenetrado em suas reflexões a medida que penetra a realidade do continente, com suas belezas culturais e naturais gritantes em contrastes com as mazelas sociais de uma América Latina de setenta anos atrás.

O ponto alto do filme é realmente a partir do momento em que Che e Alberto chegam ao Peru. Ali, traçam contato com o povo herdeiro de uma cultura milinear, e conhecem todo o drama de indígenas, camponeses e mineiros submetidos a um ambiente de opressão, exploração e desvalor à sua cultura. Uma cena peculiar, que toca corações, é quando o pequeno guia que acompanha os viajantes em Cuzco, indicando algumas construções históricas, informa: “esta foi construída pelos incas; aquela pelos incapazes“, referindo-se, sarcasticamente, aos espanhóis.

Por fim, Ernesto e Granado seguem para San Pablo, ainda no Peru, onde se instalam como voluntários em uma colônia para leprosos, em que vivem pessoas isoladas do convívio social. Até mesmo dentro da colônia, há uma rigorosa separação entre os enfermos e seus cuidadores. Ali, certamente, se desenrolam as cenas mais tocantes do filme, que retratam Che e seu amigo, de forma muito sensível ao drama em que vivem aquelas pessoas.

Pautas históricas em Diários de Motocicleta

Um primeiro ponto a ressaltar, para uma análise do filme sob uma a perspectiva histórica, é o momento em que Diários de Motocicleta é ambientado. A viagem de Che e Granado acontece nos primeiros anos da década de 1950. É um periodo em que o mundo já vive os sintomas e efeitos da polarização de poder entre os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que constituíria-se no que convencionalmente, chamamos de Guerra Fria, cujo ápice se daria nas décadas seguintes. Vale lembrar que exatamente, naquele período, estava acontecendo a Guerra das Coreias, onde EUA e URSS disputavam influência e se enfrentavam indiretamente numa das guerras mais sangrentas do século XX, consequência e causa, ao mesmo tempo, da disputa ideológica entre o ocidente capitalista e o oriente comunista. No filme, Che encontra um casal de mineiros, desapropriados de suas terras e perseguidos, por serem acusados de comunistas. Vale lembrar, que durante a Guerra Fria, a América Latina, como zona de influência dos EUA, sofreu com sucessivas ditaduras patrocinadas pela CIA. Essas ditaduras, via de regra, operavam em perfeita sintonia com a política emanada da Casa Branca, e resultou na morte e perseguição de um incontável número de pessoas que se opunham aos regimes ditatoriais, ou que manifestavam qualquer afinidade ideológica com o governo da URSS.

Este é apenas um dos aspectos históricos que perpassam o filme. Durante a viagem, Che e Granado, deparam-se a todo instante, com as condições sociais de um continente espoliado pelos interesses externos. Em determinado momento, enquanto visitam as ruinas de Machu Pichu, os dois conversam sobre a questão. Preconizando, talvez inconscientemente, o seu futuro, Che rechaça a ideia de Granado de uma revolução sem armas. São, talvez, os prenúncios de uma vida dedicada a revolução armada e de seu triunfo, em 1959, em Havana.

Todos esses são sim aspectos que sobressaltam à tela em possíveis diálogos com a história. Um outro, no entanto, que sobressai-se, e talvez seja base para uma discussão mais aprofundada que abarca, inclusive, os demais, é a condição dos nativos e povos indígenas, tão bem explorada no filme. Durante a estadia dos viajantes no Peru, especialmente, a temática torna-se rica em possibilidades para uma reflexão. Ali, Che traça diálogos com o povo nativo, descendente da civlização Inca, milenar, destruída com a chegada dos Espanhóis à América. Que sobrou dessa cultura e que herança nos legou a colonização europeia? São certamente questões motivadoras para uma boa pesquisa sobre o tema.

Conclusão

Vale dizer, Diários de Motocicleta é realmente um filme singular, que emociona e aguça sentimentos nobres de altruísmo e amor ao próximo, e leva o telespectador a uma imersão nos problemas sociais crônicos de nosso continente. Traça o perfil de um homem que forma seu caráter em contato direto com uma realidade que até hoje segue ignorada, pouco vista e desprezada pelo resto do mundo.

Se você pretente usar esse filme em sala de aula, será muito proveitoso ressaltar os aspectos históricos aqui abordados, e outros, que podem ter escapado à essa análise. O filme é uma aventura, mas também um drama, que se desenrola de forma serena sob as lentes da câmera. Contextualize seus estudantes, prepare o ambiente e explique o assunto, para que assim, tenha melhor aproveitamento pedagógico. Não é um filme fácil de se trabalhar, principalmente, se a motivação do estudante para encarar a película de duas horas não for devidamente preparada com antecedência. Mas, poderá ser um sucesso, se você conseguir fazer seus estudantes embarcarem nessa aventura. Bom trabalho!

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