Resumo do livro Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais, de José D’Assunção Barros.

O livro Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais, é o primeiro de uma coleção de cinco volumes do professor José D’Assunção Barros, publicado pela Editora Vozes. Neste post, ofereceremos um breve resumo da obra, que pode ser útil para guiá-lo em uma leitura mais aprofundada do livro.

Por que Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais?

A escolha desta obra se deu pela compreensão de que trata-se de um livro fundamental, principalmente para historiadores principiantes e/ou estudantes — em fase de graduação ou pós-graduação. Isso porque, Barros, neste volume, como o subtítulo do livro indica, trata da definição de conceitos fundamentais à prática da História. Certamente, este volume, é dispensável para acadêmicos experientes, mas poderá fazer grande diferença na formação inicial de jovens historiadores.

O livro de Barros conta com 319 páginas, incluindo bibliografia, índice onomástico e índice remissivo, e foi publicado pela Editora Vozes. O exemplar de referência para este resumo é da 5ª edição, e poderá ser adquirido na Amazon, em formato digital ou impresso.

A obra está organizada em três capítulos: “A teoria e a formação do hsitoriador”; “Teoria da História e Filosofia da História”; e “Alguns conceitos fundamentais”. Neste post apresentaremos o resumo do primeiro capítulo, e em publicações posteriores, os dois outros.

Primeiras reflexões: os conceitos de disciplina e campo disciplinar.

Em Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais, as reflexão iniciais de D’Assunção Barros partem da definição dos conceitos de disciplina e campo disciplinar. Sem se ater, neste momento, especificamente ao campo disciplinar “História”, o autor elabora uma clara explicação para definir o que é uma “disciplina”, como ela se constitui e o que a caracteriza como tal. Para tanto, enumera dez aspectos ou dimensões que se fazem presentes na constituição de todo campo disciplinar, e que em interação entre si, o tornam singular em relação à outras disciplinas. São eles: o campo de interesses, as singularidade, os campos intradisciplinares, o padrão discursivo, as metodologias, os aportes teóricos, as interdisciplinaridades, os interditos, a rede humana, e por fim, o seu olhar sobre si, que advém de um conjunto de fatores que, de certa maneira, mobilizam todas as demais dimensões disciplinares.

Para BARROS (2014), em seu processo de constituição, uma disciplina, ou campo disciplinar, é necessariamente histórico, uma vez que é construído socialmente, no tempo. Um campo disciplinar, para assim ser concebido, guarda em primeiro lugar uma peculiaridade, que é a sua singularidade de interesses. Emprestando a conceituação de Marc Bloch, em Apologia da História, explica-nos que o campo disciplinar História, por exemplo, embora partilhe com outras ciências humanas e sociais o interesse pelo homem, encontra sua singularidade, ou seja, aquilo que define a sua identidade, ao referenciar este objeto de estudos, “o homem no tempo”. Quer dizer, o que interessa ao estudo da História é homem, mas localizado temporalmente, historicizado. Isto estabelece a especificidade da História enquanto disciplina, tornando-a distinta de outros campos de disciplinares, como a Antropologia ou a Psicologia, por exemplo, que partilham do mesmo interesse, o homem, mas em diferentes contextos e dimensões.

Os objetos da história – isto é, o seu “campo de interesse” – em que pese que pareçam coincidir em um primeiro momento com os objetos possíveis das demais ciências sociais e humanas, serão sempre objetos “historicizados”, “temporalizados”, marcados por uma atenção à mudança em alguns de seus níveis”

(BARROS, 2014, p. 21)

A interdisciplinaridade e a intradisciplinaridade.

Outros dois importantes aspectos a um campo disciplinar, é o que diz respeito à interdisciplinaridade e à intradisciplinaridade. Para BARROS (2014), toda disciplina tende, em seus espaços de discussão, à interdisciplinaridade, uma vez que forja a sua identidade a partir de diálogos e disputas com outras disciplinas já constituídas. Por sua vez, a intradisciplinaridade tende à estabelecer campos de especialização no interior da disciplina, tal como acontece com a História e suas subdivisões, como a Micro-História, História Militar, entre outras. Este dois aspectos disciplinares, se interrelacionam em um campo de forças, contrabalanceando-se, de tal maneira que impõem um ao outro, equilíbrios que impedem a hiperespecialização. Da mesma forma, mantém coeso o conjunto de práticas, saberes e objetos de estudo daquele campo disciplinar.

Essa tendência ao desdobramento interno e à crescente especialização – que se apresenta como uma característica de praticamente todos os “campos disciplinares” no período contemporâneo – tem sido um aspecto inerente à história da civilização ocidental, sobretudo a partir da Modernidade, o que não impede que os efeitos mais criticáveis do hiperespecialismo sejam constantemente compensados pelos movimentos interdisciplinares e transdiciplinares, voltados para uma “religação dos saberes” em um mundo no qual os campos de produção do conhecimento vivem a constante ameaça do isolamento.

(Barros, 2014, p. 28)

Outros aspectos e dimensões disciplinares.

São ainda dimensões fundamentais de todo campo disciplinar, a organização de um aporte teórico e de um método pelo qual ele se viabilize, e a construção discursiva, pela qual ganha expressão. Segundo BARROS (2014), essas dimensões, tais quais os aspectos tratados anteriormente (singularidade, interdisciplinaridade e intradisciplinaridade), constituem-se como parte indispensável de qualquer campo disciplinar.

Por fim, o autor nos apresenta outro conceito fundamental, que caracteriza um campo disciplinar, que é a rede humana que o compõe. Esta é formada por todos aqueles que praticam o saber de determinado campo disciplinar, a partir de suas práticas e produções, e que ocupam determinado lugar no seio daquela disciplina específica, seja lugar institucional ou simbólico, formando uma comunidade científica. A partir da constituição da “rede humana”, que é permeada por instituições e grupos específicos, estabelecem-se os lugares de fala naquela disciplina.

Primeira conclusão.

Uma disciplina é um campo de saber histórico e socialmente construído, e para se constituir como tal, imprescinde de algumas características, como um campo de interesse particular, que lhe confere identidade, ou seja, a distingue de outras disciplinas, e de uma teoria e de um método. Este dois aspectos, teoria e método, são mutáveis, não resumem-se a um e estabelecem-se a partir das discussões no interior da própria disciplina.

Alerta-nos, BARROS (2014), que todo campo disciplinar, para se estabelecer como tal, busca na interdisciplinaridade elementos pelos quais possa expandir-se. Ao passo que delimita seu território, fortalece-se no diálogo com outros campos de saber, enriquecendo o seu aporte teórico argumentativo. Ao mesmo tempo, tende a intradisciplinaridade, formando subespecializações em seu interior. Um bom exemplo, são as diversas ramificações da História, tais como os estudos específicos da História Militar, da Micro-História, entre outros.

Para além das teorias e dos métodos próprios, cada disciplina estabelece também práticas discursivas que lhe são específicas e que são partilhadas por todo o corpo de legítimos praticantes daquele campo disciplinar.

Por fim, BARROS (2014) aponta o conceito de rede humana, para caracterizar a formação da comunidade científica que se forma a partir daquele campo disciplinar específico. É por meio desta comunidade de interesses comuns que partem as produções de determinada disciplina e, de onde, dobram-se os olhares sobre si, constituindo o seu próprio processo histórico de desenvolvimento.

Teoria e Metodologia.

No segundo tópico do primeiro capítulo, “Teoria, o que é isso?“, BARROS (2014) adentra em questões um pouco mais específicas. A partir da definição do que é “teoria”, o autor destaca três níveis em que essa discussão pode se dar. Primeiro, a “teoria” enquanto campo de estudos, por exemplo, quando falamos em Teoria da História, Teoria do Direito, Teoria Econômica, etc. Em seguida, o autor fala em “teoria” como um modelo ou sistema de explicação para determinado assunto. Um historiador, por exemplo, pode desenvolver uma teoria, que aliás poderá lhe ser muito própria, sobre nazismo, ou sobre fascismo ou mesmo a respeito de qualquer outro assunto, como as causas de uma guerra, entre outros. Neste caso, estaríamos tratando de “teoria” como um modelo ou sistema explicativo para determinado tema. E, por fim, BARROS (2014) nos fala sobre “teoria” enquanto uma forma de enxergar o mundo. Nesse terceiro nível de compreensão, a teoria assume-se como um paradigma para compreensão da realidade.

Dizíamos atrás que a “Teoria é uma Visão de Mundo”, e que, neste terceiro nível de discussão, a teoria corresponde a certa maneira de “ver” e de pensar as coisas.

Barros, 2014, p. 47.

Seguindo este raciocínio, podemos, então, em termos práticos, inferir que uma teoria é uma determinada “maneira de ver” o mundo, da qual pesquisadores ou estudiosos de um campo disciplinar, se valem para desenvolver o seu processo de conhecimento sobre um objeto de estudos qualquer. Nesse sentido, teoria aqui, não é entendida como o resultado, mas como o meio para construção de um conhecimento. Assim, o conhecimento advindo da perspectiva de uma teoria, é construído de forma processual, a partir do uso da razão e mediado por meio de conceitos que, em última instância, embasam aquela teoria.

É uma determinada teoria – uma certa maneira de ver as coisas – e seus instrumentos fundamentais, os conceitos, o que nos possibilita formular uma determinada leitura da realidade histórica e social, enxergar alguns aspectos e não outros, estabelecer conexões que não poderiam ser estabelecidas sem os mesmos instrumentos teóricos de que nos valemos.

Barros, 2014, p. 64.

Avançando em suas reflexões, BARROS (2014), indica-nos a aliada inseparável da Teoria: a Metodologia. Ao passo que a primeira refere-se à ação de “ver” as coisas de determinada maneira, a segunda, a Metodologia, está associada à ação de “fazer” as coisas de determinada maneira.

Assim, enquanto a “teoria” refere-se a um “modo de pensar” (ou de ver), a “metodologia” refere-se a claramente um “modo de fazer”. Esses dois verbos – “ver” e “fazer” – constituem os gestos fundamentais que definem, respectivamente, Teoria e Metodologia.

Barros, 2014, p.67

Conforme Barros (2014), Teoria e Medotologia intrelaçam-se como pilares na construção do conhecimento científico. A teoria imprescinde da metodologia, e esta, sem o devido aporte teórico, torna-se mero fazer mecânico. Na prática científica, não há uma hierarquização de importância entre teoria e metodologia, ambas formam um elo indissociável ao trabalho do pesquisar. Ao passo que a metodologia pode retoragir sobre as escolhas teóricas do pesquisar, a teoria também condiciona, em determinados sentidos, as suas escolhas metodológicas.

Par conclusão deste breve resumo, palavras sintetizadoras do próprio autor:

A pesquisa em História, e a sua posterior concretização em escrita da História (isto é, a apresentação dos resultados da pesquisa em forma de texto) envolvem necessariamente este confronto interativo entre teoria e metodologia. O ponto de partida teórico, naturalmente, corresponde à uma determinada maneira como vemos o processo histórico (porque há muitas). [Dessa forma] Podemos alicerçar nossa leitura da história na ideia de que esta é movida pela “luta de classes” (…) Mas se quisermos identificar essa “luta de classes” na documento que constituímos para examinar este ou aquele período histórico específico, teremos de nos valor de procedimentos técnicos e metodológicos especiais (…) De igual maneira, se acreditamos que as condições econômicas e materiais determinam em alguma instância a vida social e as superestruturas mentais e jurídicas de uma determinada comunidade humana historicamente localizada (…) deveremos selecionar ou constituir metodologias e técnicas capazes de captar os elementos que caracterizam esta vida material [pela escolha de outros métodos].

Barros, 2014, p. 74

Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais. Quadro de citações.

PáginaCitação
BARROS, 2014, p. 21Os objetos da história – isto é, o seu “campo de interesse” – em que pese que pareçam coincidir em um primeiro momento com os objetos possíveis das demais ciências sociais e humanas, serão sempre objetos “historicizados”, “temporalizados”, marcados por uma atenção à mudança em alguns de seus níveis”
BARROS, 2014, p. 28Essa tendência ao desdobramento interno e à crescente especialização – que se apresenta como uma característica de praticamente todos os “campos disciplinares” no período contemporâneo – tem sido um aspecto inerente à história da civilização ocidental, sobretudo a partir da Modernidade, o que não impede que os efeitos mais criticáveis do hiperespecialismo sejam constantemente compensados pelos movimentos interdisciplinares e transdiciplinares, voltados para uma “religação dos saberes” em um mundo no qual os campos de produção do conhecimento vivem a constante ameaça do isolamento.
BARROS, 2014, p. 47Dizíamos atrás que a “Teoria é uma Visão de Mundo”, e que, neste terceiro nível de discussão, a teoria corresponde a certa maneira de “ver” e de pensar as coisas.
BARROS, 2014, p. 64É uma determinada teoria – uma certa maneira de ver as coisas – e seus instrumentos fundamentais, os conceitos, o que nos possibilita formular uma determinada leitura da realidade histórica e social, enxergar alguns aspectos e não outros, estabelecer conexões que não poderiam ser estabelecidas sem os mesmos instrumentos teóricos de que nos valemos.
BARROS, 2014, p. 67Assim, enquanto a “teoria” refere-se a um “modo de pensar” (ou de ver), a “metodologia” refere-se a claramente um “modo de fazer”. Esses dois verbos – “ver” e “fazer” – constituem os gestos fundamentais que definem, respectivamente, Teoria e Metodologia.
BARROS, 2014, p. 74A pesquisa em História, e a sua posterior concretização em escrita da História (isto é, a apresentação dos resultados da pesquisa em forma de texto) envolvem necessariamente este confronto interativo entre teoria e metodologia. O ponto de partida teórico, naturalmente, corresponde à uma determinada maneira como vemos o processo histórico (porque há muitas). [Dessa forma] Podemos alicerçar nossa leitura da história na ideia de que esta é movida pela “luta de classes” (…) Mas se quisermos identificar essa “luta de classes” na documento que constituímos para examinar este ou aquele período histórico específico, teremos de nos valor de procedimentos técnicos e metodológicos especiais (…) De igual maneira, se acreditamos que as condições econômicas e materiais determinam em alguma instância a vida social e as superestruturas mentais e jurídicas de uma determinada comunidade humana historicamente localizada (…) deveremos selecionar ou constituir metodologias e técnicas capazes de captar os elementos que caracterizam esta vida material [pela escolha de outros métodos].

Referência:

BARROS, José D’Assunção, Teoria da História: Princípios e conceitos fundamentais. vol. 1. 5ª edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.

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