História, a ciência do homem no tempo!

O que é a História, para que serve e por que nos ocupamos tanto com ela? A palavra História vem do Grego antigo (ἱστορία), que quer dizer “pesquisa”, ou “conhecimento que vem da investigação”. Em português, ela é uma palavra polissêmica, que possui dois sentidos. Quando escrita com “h” minúsculo, “história” refere-se ao conjunto das experiências humanas ao longo do tempo. Ao passo que “História“, escrita com “H” maiúsculo, quer dizer o estudo dessas experiências, a pesquisa e a investigação das ações humanas. É o que chamamos, habitualmente, também de “historiografia“, ou seja, a escrita da história.

É comum, ao falarmos em história, remetermos-nos automaticamente ao passado. Afinal, conforme o senso cumum, história é tudo aquilo que já passou. Mas não é bem assim! A História, com H maiúsculo, ou seja, a ciência que estuda as ações do homem no tempo, desde há muito, ocupa-se, também, das questões do presente. Aliás, Marc Bloch, um grande historiador francês, dizia que é do presente que o historiador deve tirar as suas grandes indagações. Ou seja, aquele que pretente estudar a história, deve partir das questões do seu próprio tempo para, então, perscrutar o passado. Pois, sem essa perspectiva, a historiografia, ou escrita da história, tende a tornar-se uma mera coletânea de fatos passados, de valor pouco significativo para o homem.

Por isso, simplesmente, não podemos dizer que História é a apenas a “ciência que estuda o passado do homem”, mas sim, que é a “ciência que estuda o homem no tempo”. Pode parecer que não há diferença entre uma e outra dessas sentenças, mas há! A História estuda o homem em uma perspectiva temporal, seja ela no presente, ou no passado.

O objeto de estudos da História

Disso, podemos, ainda, tirar outra importante conclusão sobre a História e o que de fato ela é. E isso diz respeito ao seu objeto de estudos: o homem. Se não há estudo sobre o homem, não estamos falando propriamente sobre História. Os geólogos, por exemplo, também estudam o passado e o presente, mas das rochas, não dos homens. O mesmo acontece com a Botânica, que também estuda o passado e o presente, mas das plantas.

Assim, nem aos estudos de Botânica e nem aos de Geologia, podemos chamar de estudos históricos, pois nenhum deles tem por objeto de pesquisa o homem e seus vestígios. E isso é o que diferencia um botânico de um historiador da Numismática, por exemplo. A Numismática é um ramo da historiografia que estuda moedas antigas. Como sabemos, o dinheiro é um produto essencialmente humano, logo, todos os vestígios que dele advém, são frutos da ação humana. Estudar Numismática, por consequência, é uma atividade do historiador por excelência, assim como acontece com outros ramos e segmentos da ciência História.

As origens, com Heródoto de Halicarnasso

A História é quase tão antiga quanto o pensamento ocidental. Heródoto de Halicarnasso, um grego antigo, que viveu no século V a.C, herda o título de “pai da História”. Isso porque foi ele o primeiro homem a se preocupar em construir narrativas para que a memória de um povo não fosse esquecida. Antes dele, era comum que reis e monarcas encomendassem registros de seu tempo e de seus feitos. Mas, Heródoto teve a primazia de fazer esses registros abitrariamente, conforme seu próprio juízo de valor, e deixou um longa coletânea de textos, cujos fragmentos chegaram aos dias de hoje, organizados e catalogados simplesmente como “Histórias”.

Embora longa a sua trajetória, como ciência, somente no século XIX a História ganhou seus primeiros contornos. Foi a partir desse momento que historiadores profissionais passaram a se preocupar com uma teoria e com métodos que a aproximasse de uma disciplina científica. Dessa forma, o século XIX marca a entrada da História no meio acadêmico, assim como o seu debate com outras ciências sociais, também emergentes. Principalmente, a Sociologia.

Tempo e periodizações

Para um historiador, o tempo funciona como seu laboratório de pesquisa. Ele o recorta, analisa, e o organiza, conforme a sua perceção de mundo. Tradicionalmente, e o que ainda é o mais comum em nossos livros didáticos, a história está dividida em quatro grandes períodos: História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Essa periodização tradicional, arraigada, sobretudo, nos métodos didáticos, evidencia uma forte visão eurocêntrica da História no Brasil, já que cada um desses períodos, refere-se, especificamente, a contextos da história da Europa. E isso, em parte, é fruto da herança colonial que carregamos, onde ocupa o papel central, a historia do colonizador.

Essa periodização, para além dos motivos já citados, é ainda contestada pela historiografia moderna por alguns outros fatores como, por exemplo, a ênfase que dá ao documento escrito. Ao definir o início da história a partir da invenção da escrita, essa perspectiva exclui uma significativa parte do passado humano, como se esse não fosse tão digno de “história”, relegando-o à uma condição secundária de “pré-história”. Tal concepção remonta aos primórdios da História como ciência, já que nesses primeiros momentos, os historiadores desprezavam na pesquisa historiográfica, qualquer outra fonte que não fosse documentos oficias, sobretudo, os escritos, tais como bulas papais, éditos ou decretos reais. Logo, o tempo em que o homem ainda não dominava a escrita, não poderia ser considerado como parte da história, mas sim como a sua pré-história.

História hoje

Com o surgimento do movimento dos Annales, no início do século XX, na França, a História, enquanto ciência, ganhou nova cara, novas cores e novos tons! O grupo de historiadores dos Annales teve o mérito de aproximar a História de outras ciências sociais, como a sociologia e antropologia. Incorporou novos métodos, diversificou fontes e estabeleceu novas teorias, que resultaram em uma perspectiva completamente nova para a ciência historiográfica. Isso resultou em uma gama expressivamente grande de campos, que agora o historiador poderia investigar, tais como a vida cotidiana de pessoas comuns, as mentalidades e hábitos sociais.

Com a História Cultural, que ganhou força a partir da terceira geração de historiadores alinhados à escola dos Annales, em fins do século passado houve uma verdadeira proliferação de pesquisas historiográficas, explorando os mais diversos assuntos. A História tornou-se amplamente difundida, rompendo o círculo acadêmico e ocupando espaços que a aproximaram do grande público. Em 1976, Carlos Ginzburg, historiador italiano, publicou um livro que se tornaria íconico para nova geração de historiadores, intitulado o “Queijo e os vermes”, que trata da vida de um homem comum, na Idade Média, acusado de heresia contra a Igreja Católica. O personagem do livro era um moleiro, analfabeto, que ousou pensar contrário ao dogma cristão. Com a obra de Ginzburg, estava selado: há muito, a História não era mais apenas a história de uma parcela da sociedade. Ela, agora, poderia expandir-se para ser a história de tudo!

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